sexta-feira, 31 de outubro de 2008

uma onda que bate

Uma onda que bate
Que te irrompe pela casa sem licença.


Um homem que morre em cena lenta
Deixa-te um quase cheiro de loucos.


Um choro colorido no ecrã,
Racionado em porções diárias de alimento
que já não te chega.


Pede mais!
Uma repetição de jogos que te entretêm,
De políticas com palavras torpes e mentiras universais...
Reveladas no gesto síncrone dos lábios
Das bocas que te dizem o que pensar.


Na caixa as cores enganam.
Vendem-se imagens bonitas, contam-se histórias,
Formatam-se sonhos em pacote temático
[prescritos como receita para um bom dormir].


Tu e a caixa que te embala os passos e te engole o espírito.
Tu e o teu sofá – no ensaio dos adormecidos.


PEDE MAIS!
E não te faças de morto que eu sei que me ouves.


A caixa disciplinadora de almas pôs-te o mundo a girar quadrado
[na sala]
[na tua mão].
Pôs-te boneco torcido
Guiado pelo desejo de, também tu, teres
Uma vida polvilhada de purpurina...
Apagando os resquícios de humanidade em ti.


Pedes mais daquele imposto directo,
Esgravatado como combustível para a alma.


Queres pôr e dispôr de Canal, de Personagem, de Grito.
Queres mudar trocando apenas as linhas com os olhos,
Sem tocar mais do que o comando em punho
[o diafragma hipnótico].


Deixas-te apodrecer sentado
Sem conhecer mais do que o que te levam à boca,
Do que comem os teus olhos.


São vácuos dentro do vácuo.
Nadas que giram,
Satélites na órbita inútil do objecto que tens por entre os dedos.


Olha-te agora.
Acorda diferente!
Vai à janela e vê-te lá fora.
Fora de ti.
Muda de árvore, de sombra, de cadeira, de página de livro, de carruagem,
De destino.

Vou dizer-te um segredo:
desliga a merda da televisão.

1 comentário:

Jota p\ extenso disse...

Muito bem escrito. Grande texto.
Mas qq dia não é só a televisão que tem de ser desligada.